terça-feira, 22 de novembro de 2011

Resumo da minha história com Narciso

                   

      Fomos amantes, desses que planejam se separar dos parceiros para ficar juntos, com promessas e juras de amor. Ambos de casamentos visivelmente mal sucedidos. Contudo nunca houve da parte dele uma atitude real, só palavras que soavam como música aos meus ouvidos. Para mim, foi uma dessas paixões em que não se consegue pensar em mais nada, dessas em que se enfrenta qualquer obstáculo. Nos obstáculos incluía ser colocada num porta-malas de carro, para poder entrar na casa dele, mesmo ele estando separado da mulher. Incluía ficar esperando por ele numa rua deserta e perigosa, na madrugada. Incluía ser desovada como um corpo num lugar escuro qualquer. Estava cega pela paixão. Queria muito amar e ser amada. Depois de idas e vindas, as “circunstâncias” me colocaram sob o mesmo teto dele, alias o teto era dele. A pedido dele, eu apareci de “sopetão”, bati na porta e perguntei se podia subir com as minhas malas. Ele aceitou. Nunca me senti tão feliz em toda minha vida, mal acreditava que estava ali vivendo o amor que sonhei. Isso durou uma semana. A partir daí passei a viver com dois homens. Um meigo que parecia me amar e entender meu significado na sua vida e outro perverso que parecia odiar tudo o que eu representava. O perverso se sobressaía, mas incansavelmente, por cinco anos eu busquei o meigo, que estava lá em algum lugar dentro daquela pessoa que eu amava mais do que a mim mesma. O diagnóstico de TDAH veio muito tempo depois, assim como minhas idéias malucas sobre narcismo. Malucas?  Nesse início eu quase fiquei louca, cheguei a perder o emprego, por estar tão absorvida em manter essa relação. Lia artigos na Internet, escrevia para sites de psiquiatria. O engraçado é que tudo era tão complexo, que as respostas dadas por um mesmo médico variavam muito conforme o enfoque que eu dava. Era impossível falar numa única carta, com texto limitado, todas as nuances e sutilezas sobre a espécie violência moral que eu estava sofrendo. Eu mesma abordava o assunto de várias formas pois acreditava, na maioria do tempo,  que erro estava em mim.
    O amante que passou a marido, logo na segunda semana passou a evitar ter relações sexuais comigo, de uma maneira muito evidente. Eu que esperava a mesma chama dos encontros furtivos de amantes, recebi uma frieza glacial. Ele começou a falar que agora eu não era mais “proibida”, que não era mais novidade. Ele dizia isso de uma maneira muito cruel, para me ferir mesmo. Era muito humilhante. Meu desejo por ele passou a ser encarado por ele como uma aberração. Ele me perguntava sobre quando eu entraria na menopausa; falava que sexo dava câncer na próstata, entre outros absurdos. Essa rejeição acabou por despertar mais ainda meu desejo. Eu tentava seduzi-lo com roupas provocantes, mas em todas as situações ele me ridicularizava. Nem se preocupava em dar uma desculpa fundamentada, como “dor de cabeça”. Podia estar ali de espartilho vermelho e salto alto, ofegante, que ele me chamava de desequilibrada. Eu passava a noite chorando e ele parecia gostar de me ver assim, como se meu choro fosse a expressão do meu “louco e incondicional amor por ele”. Por várias vezes ele falou que não era obrigado a fazer sexo comigo e a me mandar buscar “homem” no bar perto de casa, e que se eu não estivesse contente que arrumasse minhas malinhas e fosse embora. Eu, muitas vezes, coloquei minhas roupas na mala e fui para o corredor do prédio ou para banco do automóvel, enquanto ele ficava inabalável dentro de casa. Eu voltava e me recolhia a minha insignificância. Ele debochava.
      Eu limpava o apartamento e passava as roupas no fim de semana, ele pedia e eu cortava as unhas das mãos e dos pés dele. Levava e trazia a comida numa bandeja (ainda faço isso), muitas vezes com coisas que eu mesma comprava. Ficava cozinhando com amor, pratos que ele elogiava. Contudo como num passe de mágica, por mais que eu fosse a criatura mais cuidosa, com os gestos e as palavras, ele se transformava no monstro que se masturbava aos sábados, no banho, só para poder me falar “não”. Ficava horas na Internet, baixando pornografia e fotos de mulheres nuas escancaradamente, exageradamente. O pouco que se sentava ao meu lado ficava inquieto querendo ver como estavam os downloads. Esquecia da vida. Muitas vezes chegava com maior carinho pedindo para ele ficar um pouco comigo, mas a reação era de que eu tivesse pedindo um absurdo.  Com a maior crueldade ele elogiava todas as lindas mulheres da revista, falava da pele perfeita delas, tudo no intuito de me provocar. Passei a querer competir com elas, sem direito a photoshop. Achava que assim ficaria à altura dele. Malhava, me cuidava, tirava fotos minhas, para ele ver que eu também era bonita, mas ele não me via. Comecei a investigar para ver se ele tinha outra, por que a rejeição era tanta, que não tinha uma justificativa lógica. E todas as vezes que ele descobria sobre essa investigação ele me chamava de louca, de que não era uma pessoa confiável, por mais que eu explicasse que minhas atitudes eram geradas pelas dele. Eu sempre esperava por alguma forma de castigo. Crime e castigo. Minha vida se resumia a entender o que estava acontecendo. Vivia apavorada, qualquer coisa que eu fizesse de “errado” era dado um valor maximizado por ele, a ponto de passar dias sem falar comigo. O meu sofrimento era a punição por ele infligida a mim. Sentia a euforia dele ao saber que eu tinha passado mais uma noite em claro. Eu vi muitos amanheceres. Ele falava que eu precisava melhorar, condição “si ni qua non” para eu ficar. Sou muito distraída, sou assim desde que me conheço por “gente”, ele ficava louco com qualquer esquecimento meu. Queria que eu corrigisse isso. Eu tentava explicar que não era culpa minha ser assim, que não tinha controle sobre minhas distrações, ele não entendia isso, achava que eu tinha que me empenhar em consertar isso em mim. Toda vez que eu me distraía com algo era motivo para mais punição. Aí eu piorava mais, pois meus pensamentos sobre os acontecimentos me levavam para longe, e meu olhar ficava perdido e distante, quase catatônico, ao ponto de algumas vezes, em lugares públicos, ele achar que eu estava olhando para outro homem, e me chamar de vagabunda. As brigas nessas ocasiões eram muito pesadas, eu ficava muito indignada por ele não acreditar em mim. Numa dessas vezes, eu havia esquecido o celular ligado, e meus filhos ouviram a briga. Foi bem difícil, depois, convencê-los de que tudo estava bem.
Ele sabia que eu gostava que fôssemos juntos para a cama à noite, e aí sempre dava um jeito de, ir bem depois, ou antes, tudo explicitamente planejado para me provocar. Quando eu pedia um beijo de “boa noite” ele ficava indignado por eu “precisar” de um beijo para dormir. Fazia um discurso sobre isso. Diante da recusa, eu não dormia mesmo, ia para a sala chorar. Ele se levantava e vinha reclamar que meu choro podia acordar os vizinhos.
       Ele fazia questão de me colocar no meu “devido” lugar, se referia a tudo no apartamento como dele...O meu computador...o meu sofá...meu telefone...Eu me sentia como a sem teto que estava ali “de favor”. Também não me sentia a mulher dele, não havia esse comprometimento.
    Quando resolveu ter um “hobbie”, ser motociclista, comprou uma “Harley” e arrumou uma turma para sair. Eram casais na sua maioria, contudo eu fiquei a maior parte do tempo de fora. Falava que queria ir aos passeios, e ele não me  levava, falava que o hobbie era dele, que eu procurasse o meu. Eles realizavam encontros e churrascos, onde eu nunca podia ir. Ele era cruel ao ponto de me falar que ninguém da turma havia perguntado por mim.

   Passei cinco anos reprimindo meus desejos, me policiando para não falar bobagem, sentido muito medo, tristeza e uma angustia sem fim.
   Lógico que teve um lado bom, o homem meigo pelo qual me apaixonei perdidamente um dia, aparecia, me deixando confusa. Esse homem era apaixonado e apaixonante. Um companheiro com o qual sempre sonhei. Aparecia sempre quando eu estava prestes a desmoronar, como se soubesse disso. Falava coisas lindas e me prometia o mundo. Eu não queria o mundo, somente que esse homem ficasse para sempre e que me enxergasse, mas ele ia embora (não fisicamente).

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